domingo, 30 de maio de 2010

1979 - Life In Montmartre Vols: I - II - II (Chet Baker Trio)

Vinte anos depois de sua morte, Chet Baker continua um mistério intangível aos olhos dos fás. Enigma musical, Sua obra é venerada nos quatros cantos do planeta, com exceção de sua terra natal, os EUA que não o aprecia muito bem. À sombra de seu herói Miles Davis – Chet nunca foi reconhecido como um dos grandes nomes da música americana, e não raro seu nome está ausente das listas e compilações dos melhores do jazz e trompetistas. Um terrível equívoco que aos poucos parece estar sendo notado, com os recentes lançamentos literários e musicais sobre a obra deste magnífico artista. Após uma infância conturbada, aos onze anos, estimulado pela mãe, começa a ter aulas de música e ganha seu primeiro trompete. Após alistar-se no exército e passar um tempo em Berlim com a banda militar, Chet retorna ao EUA em 1948 e começa a tocar nos clubes de Los Angeles, sozinho ou em jam sessions. Ainda sem perspectivas profissionais, Chet vai estabelecendo seu estilo e começa também a desenvolver uma maior sensibilidade musical, a despeito de seu público, como se vê em suas anotações à época:
"Parece-me que a maioria das pessoas só se impressiona com três coisas: a rapidez com que se pode tocar, a altura que se pode atingir e o volume do som produzido. Acho isto um tanto exasperante, mas agora, mais experiente, vejo que provavelmente menos de dois por cento do público sabe realmente ouvir". A grande chance de Chet veio quando foi escolhido para fazer uma turnê com Charlie Parker em 1952,(coincidência ou não, Miles também passou na mão de Parker). Apesar de ter sido um trabalho curto, foi o suficiente para que ele fosse reconhecido no mundo do jazz da Costa Leste dos EUA, ou "a parte branca do jazz". Depois, juntou-se ao quarteto do grande saxofonista Gerry Mulligan, alcançando grande sucesso, para finalmente então formar seu próprio quarteto em 1955, quando viaja com seu conjunto pela Europa. Começa então a grande viagem - não só no sentido literal - de Chet Baker. O uso continuado de drogas e suas sucessivas prisões fizeram dele uma figura única no showbizz, com seu tipo galã de Hollywood (ele era sósia de James Dean) em eterno duelo com o establishment. Nas palavras de Carol Baker, sua terceira e última esposa, Chet era o "caos permanente misturado com puro gênio". A figura do músico, contudo, ficou mais associada à do trompetista e intérprete romântico, um dos precursores do "cool jazz", cuja voz límpida e aveludada foi fonte de inspiração assumida da bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto que surgiria anos depois. A obra de Chet, um reflexo de sua vida atribulada, é extremamente irregular e diversificada, desde as famosas baladas já citadas até experimentalismos "groovies" na década de 70, quando gravou com diversos músicos e - sempre de mãos dadas com as drogas - passou por momentos embaraçosos em sua carreira, como apresentar-se com trajes típicos mexicanos, entre outras doideiras. O espancamento de que foi vítima em 1968 - e que o fez perder a maioria dos dentes - foi o golpe de misericórdia para que seu rosto nunca mais fosse o mesmo. Aos quarenta anos, Chet parecia ter cem. Ainda hoje, seu trabalho desperta interesse, e não é difícil encontrar solos de Chet permeando os atuais "chill outs" e "lounges" da vida, confirmando a perenidade de seu talento, mesmo tanto tempo depois da fatídica noite de 13 de maio de 1988, quando despencou - ou se jogou?... - da janela de um hotel em Amsterdam, encontrando finalmente a paz. Chet foi enterrado no "Inglewood Park Cemetery", em Los Angeles. Em 04 de outubro de 1979 Chet Baker desempenhou uma excelente performasse num show, em Copenhaga, onde foram registrado o3 albuns de excelente safra depois da obscuridade com duas horas e meia de música, traduzidas em uma aveluda cantinela, pelo selo Touch of Your Lips, deixou gravado pelo mesmo grupo meses antes.

Musicos:
Chet Baker - Trompete & Vocais
Doug Raney - Guitarra
Niels & Henning Orsted Pedersen - Baixo Eletrico

Live In Montmartre - Day Break Live - Vol. I:

01 - For Minors Only
02 - Daybreak
03 - You Can’t Go Home
04 - Broken Wing
05 - Down



Vol. I


Live In Montmartre - This Is Always
- Vol. II:

01 - How Deep Is the Ocean
02- House of Jade
03 - Love for Sale
04 - This Is Always
05 - Way To Go Out




Vol. II


Live In Montmartre - Someday My Prince Will Com
- Vol. III:
01 - Gnid
02 - Love Vibrations
03 - Sad Walk
04 - Someday My Prince Will Come
05 - I'm Old Fashioned
06 - Chet Baker - In Your Own Sweet Way




Vol. III

Boa audição - Namastê

quarta-feira, 26 de maio de 2010

As Ra[izes do Jazz - Uma Arte Indomável Parte IV (Final)


Sem o apoio esperado, os criadores do bebop ficaram isolados e adotaram uma postura anárquica e boêmia. Escolas de música e instituições universitárias reconheceram a importância do bebop para a cultura norte-americana de raiz, mesmo que vinda de uma fonte inesperada e “não respeitável”. O próprio governo norte-americano, ciente do valor propagandístico do jazz como produto de exportação cultural, enviou o trompetista Dizzy Gillespie para o exterior, como embaixador cultural. Exatamente da maneira que, anos antes, fizera com o cantor e trompetista Louis Armstrong.

Música Para Ouvir e Tocar
A unidade fundamental da arte ortodoxa é a “obra de arte” que, uma vez criada, vive a sua vida independentemente de tudo, a não ser do criador. Se for um quadro, tem apenas de ser preservado; se for um livro, de ser reproduzido. A música e o drama têm de ser executados. No entanto, alguns acadêmicos têm a pretensão de interpretar a obra o mais próximo possível da intenção de seu produtor. É comum chamar uma obra de arte especialmente apreciada de “obra- prima”, uma categoria totalmente independente da execução. Ninguém diminui, por exemplo, o valor de Figaro, de Wolfgang Mozart, porque o humorista brasileiro Tom Cavalcanti utilizou um trecho dessa ópera para fazer alguma gag de mau gosto. Com o jazz, a coisa simplesmente não funciona assim. A sua arte não é reproduzida, mas criada; e existe apenas no momento da criação. Jazz é uma arte que tem origens populares, para não dizer vulgares, como as artes de palco, o teatro, o circo e a dança. Um grande drama teatral, se apresentado de maneira abominável, é apenas um drama em potencial. Quando se trata de artistas de teatro, admitimos livremente: atores como Paulo Autran e Fernanda Montenegro produzem grande arte, mesmo quando o assunto em questão é, pelos padrões ortodoxos, arte menor, ou não é absolutamente arte. É isso o que acontece com o jazz – embora sua maior contribuição para as artes populares seja a combinação do individualismo e da criação coletiva, há muito esquecida pela cultura ortodoxa. Um cantor como Louis Armstrong poderia dizer para si mesmo, ouvindo um playback de West End Blues, de 1928: “É uma boa versão, vou repeti-la sempre.” Duke Ellington ou John Lewis poderiam dizer a respeito de uma gravação: “é quase assim que deve ser”. Mas se nós escutássemos todos os West End Blues, Across the Track, ou Django já tocados, mesmo por Armstrong, pela banda de Ellington e pelo Modern Jazz Quartet, ouviríamos uma série de recriações e modificações. A obra individual não é, para o músico de jazz, a real unidade da arte. Se há uma unidade natural do jazz, ela é a execução – na noite ou ocasião em que a música é tocada após a outra – rapidamente e devagar, formal e informalmente, cobrindo o espectro das emoções. A contínua criação é a essência dessa música, e o fato de que a maior parte é fugaz não preocupa o músico. O jazz é música para músicos, expressando diretamente as emoções. Os compositores mais espertos sempre reconheceram que o jazz não é composto por notas ou instrumentos, mas por homens e mulheres criativos. Quais são, portanto, as realizações musicais do jazz? Sua maior e talvez única realização real é existir: um estilo que esgotou as qualidades da música folk, em um mundo projetado para expatriá-las e que até hoje as manteve protegidas dos ataques enfraquecedores do pop e da música erudita. Por tudo isso, o jazz é uma arte popular e indômita.

Referencias: HOBSBAWN, E. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. SHAPIRO, N. e HENTOFF, N. Hear me talkin’ to ya. Londres, 1955. The Rolling Stone Jazz Record Guide. Suplementos da Revista Rolling Stone. FEATHER, L. Encyclopedia of jazz. Londres, 1988. TRAVENIER, B. Round Midnight. Filme, com o saxofonista Dexter Gordon.

NEY VILELA é Mestre em comunicação midiática pela UNESP - Bauru; professor de Cultura e Artes e de História da Comunicação.

Boa Leitura - Namastê.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

As Raízes do Jazz - Uma Arte Indomável Pate III

Como Reconhece o Jazz.
O ritmo, a orquestra, a voz, a bateria. Apesar de ser difícil defini-lo é possível identificar as características mais marcantes. Não existe definição precisa ou adequada para o jazz, pois esse gênero musical não é imutável. Para complicar não há linha divisória discernível entre o jazz e a música popular comum. Nem entre o jazz e a música folclórica de onde ele emergiu. Por ser arte popular moderna não há autoridades e instituições capazes de defini-la sem contestações. Como não é possível rotular o jazz é possível ao menos, caracterizá-lo em cinco itens:

1- O jazz tem peculiaridades musicais decorrentes do uso de escalas originárias da África Ocidental, não usadas na música erudita européia;
2- Apóia-se, de maneira fundamental em outro elemento africano: o ritmo. Há dois elementos no ritmo jazzístico: uma batida constante e uniforme e variações sobre a batida principal. Mas não é fácil analisar o ritmo do jazz. Alguns de seus fenômenos como o que vagamente se chama de swing resistem a qualquer tipo de análise. É difícil por exemplo, explicar como os bons bateristas – mantendo o ritmo constante – dão a sensação de aceleração contínua ou driving.
3- Emprega cores instrumentais e vocais próprias. A orquestra de jazz representa uma evolução sobre a orquestra militar, utilizando poucas cordas e reservando para os metais e madeiras, funções pouco usuais em orquestras sinfônicas. A voz é a voz comum não educada em conservatórios. Os instrumentos são tocados – até onde isso é possível – como se fossem essas vozes. Quase tudo o que Lester Young “diz” em seu saxofone pode ser entendido.
4- Possui forma musical e repertório específicos, mas essas coisas não são importantes. As formas musicais mais importantes são o blues (música fundamental, com nove compassos e letra em couplet de cinco versos, sendo o primeiro verso repetido) e as baladas (adaptadas da música comercial comum). O repertório é formado por Standards: temas que se prestam, por um motivo ou outro ao modo de se tocar jazz.
5- É uma música de executantes. Tudo está submetido à individualidade dos músicos. O maestro (e até o compositor) é totalmente dispensável. Não há duas execuções exatamente iguais de uma mesma música.

As Jam Sessions:
Depois das apresentações para o público, a diversão dos músicos era tocar para eles mesmos. Era o momento de liberar a criatividade e testar novas idéias. A história do jazz a partir do início da década de 1920 é em grande parte, uma caminhada em direção às big bands, com sua instrumentação característica e seus arranjos que tendem a transformá-lo em puro entretenimento. Mas havia um risco nas big bands: transformar os músicos numa coleção de zumbis musicais que não ligam muito para o que estão tocando. A música comercial repelia e entediava o músico de jazz e as grandes bandas impunham uma disciplina impessoal sobre ele. Reagindo ao tédio os músicos criaram um mundo musical após o horário dos shows no qual tocavam para agradar a si mesmos. Assim surgiram as jam sessions. Muitos grupos de jazz, quando faziam pequenas temporadas em clubes sempre arranjavam um tempinho para as jam sessions. Outros músicos apareciam para “dar uma canja”, e assim a diferença entre tocar para o público e tocar para músicos foi estabelecida. Tornou-se cada vez mais precisa a distinção entre tocar música “comercial” ou por interesse, como é possível notar no depoimento do cantor e guitarrista Danny Barker: “Dizzy [Gillespie] e Milt Hinton entre os shows de duas horas e meia no Cotton Club, retiravam-se para o sótão. Dizzy tocava suas novas progressões harmônicas e experimentava com Hinton as diferentes idéias e padrões melódicos. Eles me convidavam para subir e me juntar a eles. Porém depois de um show de duas horas e meia algumas vezes eu ia, outras não. Porque o que eles faziam exigia muita concentração mental em harmonias. Era muito interessante mas eu não conseguia subir e gastar energia em algo não comercial” . Shapiro, N. e Hentoff - N. Hear Me Talking ` Toya . Londres, 1955 - Pg. 306.

A Revolução Bebop.
Em 1941, surgiram o jazz bop e o cool jazz. Até essa data, o jazz era apenas um estilo tocado e ouvido por divertimento e dinheiro. Mas nesse ano, o ritmo transformou-se em manifestação cultural de uma minoria. O jazz contemporâneo não é produzido apenas por entretenimento ou por requinte técnico: também é encarado como um manifesto – seja de revolta contra o capitalismo e a indústria cultural, seja de igualdade racial. A partir da década de 1940, o jazz se politizou e o ritmo bebop reivindicou a igualdade entre as raças e a valorização da música. A evolução jazzística até o final dos anos 1930, seguiu uma direção única: cada estilo derivava de seu predecessor que modificava ou acrescentava algo à música. A evolução contemporânea começa com uma meia-volta intencional: os revivalistas (um movimento mais de público do que de músicos) rejeitaram deliberadamente o jazz existente, em favor de um tipo de música que já estava extinta (Dixieland revival); já os boppers (um movimento mais de músicos do que de público) rejeitaram deliberadamente o jazz existente, em favor de um tipo de música que, pelos padrões existentes, soava anárquica e dissonante. A revolução contemporânea, chamada bebop começou em Nova York e foi uma revolta dos músicos e não um movimento do público. Na verdade era uma revolta contra o público, bem como contra o afogamento do músico em inundações de barulho comercial. Era, também, um manifesto muito mais profundo: pela igualdade entre as raças. Os inventores dessa música revolucionária eram jovens negros que tinham sem exceção, vinte e poucos anos de existência. Quase todos eles ainda eram desconhecidos do grande público: John Birks Gillespie - trompetista, Thelonius Monk - pianista, Kenny Clarke e Art Blakey - bateristas; Charlie Christian - guitarrista (o único que já era famoso), Bud Powel - piano, Milt Jackson - vibrafone, Tadd Dameron - arranjador, Max Roach -bateria, Kenny Dorham - trompete. De acordo com o historiador Eric. J. Hobsbawn, o ímpeto revolucionário musical do início da década de 1940 é inconcebível sem a base fornecida pelos levantes políticos dos anos 1930. As ações políticas deram audácia intelectual aos negros norte-americanos que se sentiram mais fortes para lutar em outros frontes, além das reivindicações por igualdade social. A revolução bebop foi, portanto, tão política quanto social, levando os jovens músicos a insurgirem- se contra os negros que produziam jazz tradicional e eram pejorativamente chamados de Uncle Tom (referência à Cabana do Pai Tomás, símbolo da acomodação dos negros sulistas à sociedade dominada pelos brancos). Esses jovens também se rebelaram contra os músicos brancos que tocavam jazz: a idéia era fazer uma música tão difícil que “eles não poderiam roubar”. Houve uma tomada de posição por parte dos artistas e intelectuais negros: a música seria tão boa tecnicamente quanto a dos brancos (designados como “ofays” – inimigos, em latim vulgar), mesmo em termos de música de arte mas fundamentada na cultura negra. No entanto, ao migrarem para os grandes centros urbanos do norte do país os jovens negros descobriram que não adiantava se afastar do mundo do “Pai Tomás”, pois não seriam valorizados nos galpões das fábricas de Chicago. Esses jovens acabaram isolados em relação aos outros negros: eles tinham-se colocado (graças ao talento e às conquistas intelectuais) acima do nível dos trabalhadores comuns de onde tinham vindo. Por isso acabaram excluídos, não só pelos brancos, mas até pela classe média negra. Como resultado os intelectuais e músicos do bebop passaram a assumir um comportamento social anárquico e boêmio e a música deles se transformou em um gesto múltiplo de desafio. A ironia é que a classe média negra não reconheceu o valor artístico desses garotos: no final o prestígio acabou vindo da parte dos brancos. Os jovens intelectuais brancos e boêmios enxergaram no bebop um mal-estar e uma revolta semelhante a deles próprios e fizeram do jazz contemporâneo a música da beat generation - a geração beat.
Por NEY VILELA.

Boa leitura - Namastê.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

As Raízes do Jazz - Uma Arte Indomável Parte II

Jazz Uma Arte Indomável

Os spirituals que surgiram no final do século XVIII, são ritmos primitivos criados pelos escravos e consistiam basicamente em cantorias acompanhadas de palmas. Essas músicas, juntamente com as canções gospel influenciaram o surgimento do blues. Só para dar dois exemplos o blues How long, how long (autoria de Leroy Carr, 1928) veio de um spiritual e o blues St. James’ infirmary (autor desconhecido) lembra Keep your hand on the plough (da cantora gospel Marion Williams). A segregação dos negros nos templos protestantes tornou-se evidente na segunda década do século XIX, o que levou ao surgimento da Igreja Episcopal Metodista Africana de Sion em 1816. As seitas metodistas negras tornam-se um movimento de massa no período da Guerra Civil (1861-1865), o que intensificou o caráter negro da música spiritual. A segregação dos batistas negros (entre 1865 e 1885) e as seitas shouting (segregadas), do início do século XX, como a Pentecostal. Holiness Church, a Churches of God in Christ e outras do mesmo gênero, levaram a inestimáveis contribuições religioso-musicais para o jazz. Mas o ritmo saiu das igrejas rumo à vida laica: o blues cantado, coração do jazz, surgiu em sua forma primitiva pouco antes da Guerra Civil, embora ainda na forma de doze compassos e sem o uso de harmonia européia. Era um canto apoiado por um ritmo de percussão constante; as estrofes eram de tamanho variável, determinado pela frase que o cantor tinha em mente; as pausas também variavam pois eram determinadas pelo tempo necessário para o cantor pensar em uma nova frase. O blues surgiu de fields-hollers, de work-songs (canção rítmica a cappella, cantada durante o trabalho) e de peças seculares de gospel. Com a abolição da escravatura (que ocorreu gradualmente nos Estados Unidos, ao longo do século XIX), o blues multiplicou-se graças ao surgimento dos menestréis-pedintes negros, geralmente cegos, que vagavam pelas estradas. Desse período, sobreviveram algumas gravações, realizadas no início do século XX. O blues marcou uma evolução não apenas musical, mas social: o aparecimento de uma forma particular de canção individual, comentando a vida cotidiana. O banjo, instrumento africano, era usado como acompanhamento. O blues ganhou forma instrumental nos pianos dos bares, casas de dança, tabernas e bordéis do sul, nos acampamentos de trabalhadores, nos alojamentos dos marinheiros. No final da década de 1870, o blues já existia como o conhecemos hoje. As primeiras mulheres a cantá-lo publicamente foram as prostitutas, como Mamie Desdoumes, em Nova Orleans. Elas tocavam piano nos salões de dança de Perdido Street, no início do século XX. Mas, afinal, por que o jazz surgiu no final do século XIX, em Nova Orleans? Para compreender esse fenômeno é preciso lembrar que nessa época, no mundo todo, houve um movimento revolucionário nas artes populares. Na Inglaterra, as casas de espetáculo separam-se de seus antecessores, os pubs, na década de 1840, chegando ao ápice em 1890. Foi também nesse período, na Grã-Bretanha, que surgiu outro fenômeno da cultura da classe trabalhadora: o futebol profissional. Na França, logo após a Comuna de Paris (1871), surgiu o chansonnier (cantigas) das classes operárias e, em 1884, apareceu o seu produto culturalmente mais ambicioso e boêmio, o cabaré de Montmartre. Na Espanha, uma evolução impressionantemente semelhante à norte-americana produziu o flamenco, que, como o blues, com o qual muito se parece, surgiu como canção folclórica, nos “cafés musicais” de Sevilha e Málaga. Todos esses acontecimentos possuem duas coisas em comum: surgiram nas grandes cidades e serviam de entretenimento para trabalhadores pobres. Ou seja, são produtos da urbanização. Eles adquiriram valor comercial, pois investir nessas atividades era lucrativo, e cultural, já que os pobres e imigrantes precisavam de algum tipo de distração. A classe operária pôde se divertir graças ao entretenimento profissional (teatro de variedades, circo, show de aleijões, eventos esportivos, canto e dança) e ao desenvolvimento das canções rurais ou urbanas amadoras. No caso do jazz e do blues, pode-se dizer que as apresentações das bandas desses estilos musicais multiplicam-se a partir do momento em que os catadores de algodão (yard and field negroes) tornaram-se mercado consumidor de proporções expressivas. Não se pode dizer simplesmente que o jazz nasceu em Nova Orleans, pois, de uma forma ou de outra, a mistura entre elementos musicais africanos e europeus estava se cristalizando em várias regiões dos Estados Unidos. Mas Nova Orleans merece o título de berço do jazz porque foi lá – e só lá – que a banda de jazz surgiu como um fenômeno de massa. Na década de 1910, a cidade tinha aproximadamente 90 mil habitantes negros e nada menos do que 30 bandas de jazz. Também é de Nova Orleans o legendário cornetista Buddy Bolden, que liderou a primeira banda de jazz, registrada historicamente em 1900. O jazz nasceu e logo iniciou sua extraordinária expansão em velocidade e abrangência. De 1900 a 1917, o jazz tornou-se a linguagem musical da população negra de toda a América do Norte. De 1917 a 1929, além de evoluir muito rapidamente, tornou- se dominante na cena musical urbana norte americana. E, finalmente, de 1929 a 1941, o jazz conquistou os públicos de elite da Europa e os músicos de vanguarda.
Por NEY VILELA

Boa Leitura - Namastê

domingo, 16 de maio de 2010

As Raízes do Jazz - Uma Arte Indomável Parte I

No início do século XX, um ritmo contagiante surgiu no sul dos Estados Unidos. Feito por ex-escravos, o jazz conquistou negros e brancos no mundo todo

Os experts concordam entre si que as origens do jazz estão no continente africano e que os pais desse ritmo são os negros da África Ocidental, escravizados no sul dos Estados Unidos. O Estado da Luisiana, onde fica a cidade de Nova Orleans, berço do jazz, começou a ser colonizado por franceses católicos. Esses senhores das lavouras, ao contrário dos protestantes, não estavam preocupados com a salvação da alma de seus escravos e portanto, toleravam o comportamento pagão. Enfim, deixavam os negros tocar suas músicas. Nas canções dos escravos, havia um compasso delicioso e complexo, focado no padrão musical do “canto e resposta”. Essa característica foi preservada nos estilos gospel, blues e jazz, e pode ser notada nas letras das músicas e no próprio duelo melódico entre os instrumentos. Os negros também trouxeram para a América o hábito de cantar durante a jornada de trabalho: as field hollers são músicas satíricas, em que reina a polifonia vocal e rítmica, e a improvisação é muito freqüente. Outro legado que veio da África e marcou a produção musical do sul dos Estados Unidos são os timbres e inflexões, característicos da música negra norte-americana. Todos esses elementos juntos formaram a base para o aparecimento do jazz. No entanto, é preciso deixar claro que nenhum elemento musical está associado a uma “raça” específica, no sentido biológico do termo. O senso rítmico não é inato: é adquirido, como quase todas as outras habilidades que desenvolvemos. Como os negros foram confinados à senzala e segregados do resto da sociedade, os africanismos ficaram enraizados. Mas, isso não faz do jazz uma música africana. É só ouvir qualquer emissora de rádio da África Ocidental para notar que as músicas contemporâneas daquela região não se parecem nem um pouco com o jazz. Além disso, os jovens da África estão muito menos propensos a aderir ao jazz do que, digamos, os rapazes da classe média da Inglaterra.

Um Toque Europeu
As influências musicais e culturais francesas foram muito importantes para o desenvolvimento do jazz, e acabaram assimiladas pelo grupo de escravos libertos de Nova Orleans, os gens de couler ou créoles. Filhos das escravas amantes dos colonizadores franceses, os perderam a posição social privilegiada na década de 1880, quando ocorreu o aumento da segregação racial na região. Misturados aos demais negros, os créoles contribuíram, com sua cultura, para o surgimento do jazz. Na primeira fase de desenvolvimento do jazz, em Nova Orleans, os músicos copiaram das banbandas militares francesas a técnica instrumental, os instrumentos de sopro, o repertório de marchas, quadrilhas e valsas. São franceses os nomes dos primeiros artistas: os créoles Bechet, Dominique, St. Cyr, Bigard, Picou, Piron. Igualmente importante é a tradição católico-mediterrânea dos franceses, com a profusão de festas públicas, carnavais, confrarias e desfiles. O jazz nasceu da combinação das influências musicais francesas e africanas sobre os negros de Nova Orleans. A cultura anglo-saxônica também teve participação na formação do jazz. A mais evidente é a língua inglesa, que forneceu as palavras para o discurso negro e para suas canções. Com a linguagem jazzística, os negros norte-americanos montaram, com as palavras inglesas, o mais apurado de todos os ramos da poesia popular britânica. Nesse ramo, estão as canções de trabalho, a música gospel e o blues secular. Algumas músicas dos colonizadores britânicos (em especial, as dos escoceses e dos irlandeses pobres) foram assimiladas e modificadas pelos menestréis negros. Careless Love, uma balada das montanhas do Kentucky, ou St. James’ Infirmary, originária de uma canção inglesa, servem de exemplo. Mas a maior influência européia talvez seja a da religião: o “grande despertar”, movimento protestante sectário, democrático, frenético e igualitário. Surgido no início do século XIX, forneceu a estrutura harmônica com a qual se construiu o blues. Os hinos dos cantores gospel Dwight L. Moody e Ira D. Sankey, na Chicago da segunda metade do século XIX, forneceram os ricos acordes que foram adaptados ao jazz, produzindo a primeira mescla sistemática de música africana e européia, fora de Nova Orleans. A religiosidade, em última análise, misturou as influências africanas às européias, nas mesmas proporções: não houve subordinação; ocorreu síntese. Foi assim que surgiu o jazz: uma arte popular indomável. Música forte, de resistência, desenvolveu- se em um ambiente social capitalista em contínua expansão, sem corromper-se aos padrões culturais das classes mais ricas.
Por NEY VILELA

Boa Leitura - Namastê

domingo, 9 de maio de 2010

Mil faces de Chet Baker

Chesney Henry Baker Jr. ou simplesmente Chet Baker (1929-1988) foi o Miles Davis branco. Não só em termos de sonoridade e pungência melódica, soprando o trompete ou o flugelhorn, mas também de culto paradoxal do herói que se deixa tragar pela vida, na base do "Let’s Get Lost", do mesmo modo que Scott Fitzgerald, Bix Beiderbecke ou Charlie Parker. Entre o “James Dean” que apaixonava as teenagers dos anos 50 e 60 e o erodido rosto do dependente de drogas pesadas que despencou para a morte do segundo andar de um hotel em Amsterdã em 13 de maio de 1988, houve muitos Chets. “Ele surgiu para nós como um mistério e foi-se como um mistério” – escreveu o discógrafo dinamarquês Hans Lerfeldt. “Na primavera de 1959, meu caso de Nova York veio à tona e peguei seis meses de prisão na ilha de Rikers. Passei 10 dias na enfermaria, antes de ser integrado à “população”. Recebi a tarefa de instrutor no departamente de música. Havia lá uns outros 12 músicos. Ficávamos o dia todo no ginásio – ensaiando ou jogando basquete. De noite na ala das celas, jogávamos pôquer, xadrez, bridge, líamos ou assistíamos a uma dupla de grandes dançarinos; lembro-me de que um deles era chamado de “Baby Lawrence”. Fui libertado em quatro meses (bom comportamento) e parti imediatamente para a Europa. Halema e Chetie foram comigo. Participei do Festival de Comblain La Tour, e viajei para Itália. Comecei a tomar Jetrium, um remédio alemão que não precisava de receita. Voava de Milão para Munique sem bagagem, enchia os bolsos do meu pesado sobretudo com caixas de Jetrium injetável (efeito duplo, 13,5 miligramas por centímetro cúbico) e voltava à Itália. Jetrium era a coisa mais próxima de heroína que eu havia encontrado mas logo fui ficando resistente à droga pois estava usando de 1000 a 1200 miligramas por dia. Fiquei em péssimo estado – branco como giz, sem fome e tendo calafrios terríveis e freqüentes. Meus amigos me convenceram a procurar um médico. Depois de me examinar e analisar o doutor me deu quatro ou seis meses de vida se continuasse a tomar Jetrium. Falei com o pessoal do lugar onde estava trabalhando, chamado Santa Tecla e internei-me na clínica de Villa Turo em Milão para uma sonoterapia. Dormi durante 7 dias, alimentado, intravenosamente, por enormes garrafas penduradas em cima de mim. Passei a me sentir muito bem e consegui – com a ajuda do consulado americano – sair trinta dias antes do previsto. Retornei ao Santa Tecla e certa noite conheci Carol. Ela trabalhava no Olympia, um dos maiores clubes do mundo (1600 lugares) como uma das quatro apresentadoras (cada uma anunciava um segmento do show). De vez em quando eu pegava meu Alfa e corria para o Olympia, entre os sets, só para zanzar entre os bastidores. Era uma coisa de louco! Havia um montão de moças indo e vindo, escassamente vestidas. Era o máximo! Gamei por Carol, e ela deixou o show para viajar comigo. Os jornais italianos fizeram a maior fofoca comigo e Carol. Halema mandou Chetie para a casa dos meus parentes e ficou me seguindo por uns tempos. Tínhamos cenas terríveis nos clubes quando ela aparecia. Passei a procurar médicos diferentes a cada semana para obter receitas. Tinha um bom médico logo do outro lado da fronteira, na Suíça. Mas procurava manter meu vício sob controle. Quando estava trabalhando no La Bussola, um clube bacana e caro, de alto nível, na praia de Focette, a menos de dois quilômetros de Viareggio, conheci o dr. Lippi Francescomi. Ele era diretor de uma pequena clínica em Lucca. Instalei-me na Clínica Santa Zita e fiquei tomando grandes doses diárias de vitaminas e outros medicamentos, mais doses decrescentes de Palfium. Nessa época, estava ficando muito difícil me picar – as veias, baleadaças, estavam desaparecendo. O dr. Francesconi levou-me ao clube todas as noites, esperava que eu tocasse e voltava comigo para a clínica. Carol e eu nos encontrávamos noite após noite. Tínhamos um quarto numa pensione, a Villa Gemma. O gerente tentava me ajudar. Antes do meu retorno à clínica; tinha um médico que receitava Palfium para mim, em seu nome. Um outro bom amigo, um advogado em visita à Itália, também me arranjava receita. Uma vez, tive de ir ao clube durante o dia. O dr. Francesconi não podia sair comigo; aluguei um Fiat e fui para a praia. Parei num posto de gasolina a fim de me aplicar uma injeção. Demorei uns quarenta e cinco minutos para fazer a cabeça. Havia acabado de me recuperar e já ia sair, quando bateram na porta. O frentista chamara a polícia. Tive de ir com eles até a delegacia. Ligaram para o dr. Francesconi, que explicou a minha situação e me levou de volta à clínica. No dia seguinte, a manchete do jornal local foi CHET BAKER PRESO EM BANHEIRO DE POSTO DE GASOLINA. A notícia ia em frente: a polícia teria derrubado a porta, o banheiro estava coberto de sangue etc etc. Um jovem procurador chamado Romiti, depois de ler a reportagem abriu uma investigação. Depois de checar todas as farmácias da área e examinar todas as receitas de Palfium, prendeu meu amigo e advogado Joey Carani; o gerente da pensione; um médico de nome Bechelli; e o dr. Francesconi. Viajou então para Milão a fim de interrogar Halema. Mas como estava fora de sua jurisdição, mentiu para ela, pedindo-lhe que fosse até Lucca para um minucioso depoimento. Halema foi e assim que chegou, foi presa também. Naturalmente, fui o primeiro a ser encarcerado. Puseram-me na enfermaria por dez dias e depois num quarto isolado, onde passei os seis meses seguintes. Ninguém falava uma palavra de inglês. De noite, eu podia ouvir Halema do outro lado do pátio, chorando e chorando. Fomos julgados seis meses depois. Halema, Joey, Francesconi e o gerente do Gemma foram inocentados. Só eu e Bechelli continuamos presos. Becheli pegou dois anos porque me cobrava dez mil liras por receita e eu dezoito meses por uso ilegal. Apelamos, três meses depois das sentenças: o médico foi libertado e a minha pena reduzida para quinze meses. Carol ficou na Itália até o fim do julgamento acompanhada da mãe e depois as duas voltaram para a Inglaterra. Ela me escrevia diariamente. As cartas chegavam até nos domingos. O capelão da prisão, padre Ricci era encarregado de ler toda a correspondência que eu recebia ou enviava. Assim é que as cartas que Carol recebia eram todas riscadas com tinta preta. Cheguei à conclusão de que aquele padre bobo censurava quase tudo ao acaso, para não admitir que não sabia ler inglês. Ele também arrancava as páginas com fotografias da Playboy, que Carol eventualmente me enviava. Passado o julgamento, deixaram-me trabalhar na oficina de encadernação de livros. O único ocupante do lugar era um combatente da resistência iugoslava, um baixote que sobrevivia, desde o fim da guerra, fazendo-se passar por oficial, penetrando em bases militares e surrupiando armas e munições. Ele estava preso há quarenta e quatro meses, à espera de julgamento. Jogávamos xadrez o dia todo ao mesmo tempo em que ele restaurava e encadernava livros. Eu ficava só olhando. À noite, ele costumava cozinhar um panelão de molho de espaguete num fogãozinho elétrico ilegal, que ao ser ligado, fazia cair a luz na prisão toda. Acabei ficando íntimo de dois guardas. Um deles, um tal de Peccora, deixava eu ficar sozinho com Carol na sala de visitas. Era ótimo. Duvido que alguém possa ter idéia de como é bom um pouco de sexo até ficar enjaulado por alguns meses. Os guardas acabaram descobrindo nosso fogãozinho e minha missão passou a ser a de providenciar comida e outras encomendas dos presos. Semanalmente Carol mandava-me entre quinze e vinte livros e eu lia à beça, até altas horas da noite com ajuda de minha lâmpada de cinco watts. Eu tinha o meu trompete e tocava algumas horas por dia. Escrevi trinta e duas músicas e o tempo passou rapidamente. Quando fui solto, falava italiano fluentemente e já havia sido sondado ainda na prisão por uma companhis cinematográfica de Roma. Assinei um contrato, cedendo-lhes os direitos de um filme sobre mim para o qual eu faria a trilha sonora. Recebi um adiantamento de 3000 dólares com a promessa de ganhar um total de 25000 quando o filme estivesse pronto. O mesmo jornal que publicou minha prisão com estardalhaço deu também destaque à minha soltura. Os fotógrafos foram atrás de mim e de Carol, clicando suas máquinas centenas de vezes.. Muitas dessas fotos saíram nas revistas de escandâlos italianos com histórias fantasiosas. A RCA italiana enviou a Milão um representante para assinar comigo um contrato de gravação de alguns daqueles temas escritos na prisão. As letras seriam escritas depois. Eu e Carol fomos para Roma num novo Alfa SS, e ficamos num pequeno hotel em Parioli. Vagabundeamos durante algum tempo depois da sessão de gravação à espera do que ia acontecer com o filme. Não deu em nada. E voltei ao trabalho na Itállia. Contratei René Thomas e Bobby Jaspar para o meu conjunto. Eram grandes instrumentistas mas detonados pela droga. Na época Bobby estava usando Ritalin e René andava sempre atrás de heroína. Quando tocamos num clube de Nápoles algum filho da mãe furtou meu instrumento durante um intervalo. Imaginei que fosse porque costumavam me chamar de “Trombo Doro” e o cara que levou o trompete...deve ter achado que ele era mesmo de ouro bruto. Os sete meses seguintes foram bons pra mim. Oriana Fallaci escreveu uma grande matéria na L’Europea e apareci num filme italiano, Ulatori Alla Sbarra, em que fazia o papel de um malandro que ocasionalmente, despertava de sua letargia para cantar uma música – quando não estava rodando por Roma em uma Vespa. Em 1961 teve início uma nova onda no cenário mundial de Roma. Em muitos restaurantes apareciam poetas recitando suas novas obras, às vezes com acompanhamento de flauta ou de percussão. Nunca entrei muito nessa onda. Fiz várias trilhas sonoras para documentários produzidos pelo governo italiano, alguns com trompete e percussão, outros só com trompete. Eu simplesmente ficava vendo o filme rodar e tocava o que me viesse á cabeça. Ao retonar a Milão, Nando Lattanzi arranjou-me uma noite de jazz no Olympia que foi um enorme sucesso....”
Textos retirados do livro “Memórias Perdidas”, por Chet Baker.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Rio das Ostras Jazz & Blues Festival 2010

O maior festival de jazz e blues do país chega à sua oitava edição e ratifica o seu nome entre os melhores festivais do mundo.


Por Leonardo Alcântara (JazzMan!)
Publicado também no http://www.jazzmanbrasil.com/
Twitter: @jazzmanbrasil

Rio das Ostras, pequena cidade no litoral norte do estado do Rio de Janeiro, atrai milhares de turistas o ano todo, interessados em usufruir as mais diversas belezas naturais que a cidade oferece. Mas não é só de natureza que vive Rio das Ostras. Nos últimos anos, a cidade também recebeu o apelido de "a capital do jazz e do blues" por abrigar o Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, o maior festival do gênero na América Latina. Todos os anos, no feriado de Corpus Christi, Rio das Ostras é a rota obrigatória de entusiastas da música de qualidade, que saem de toda parte do país para prestigiar o evento.

Este ano, em sua oitava edição, os organizadores vieram ratificar que o festival é não só o maior da América Latina, mas o melhor também, trazendo nomes de peso da atual cena nacional e internacional. O baixista Ron Carter é uma prova da força desta oitava edição. Carter é uma das maiores lendas vivas do jazz, admirado no mundo todo por sua música rica e comovente.

Ron Carter: uma das maiores lendas vivas do jazz

Além de Carter, que virá acompanhado de Russel Malone e Mulgrew Miller, também participam do 8º Rio das Ostras Jazz & Blues: T.M. Stevens Project com Cindy Blackman, Delmar Brown & Blackbird Mc Knight, Rod Piazza & The Mighty Flyers, Glen David Andrews, Michael “Patches” Stewart, The Michael Landau Group, Victor Bailey Band, Stanley Jordan Trio com Armandinho Macêdo, Joey Calderazzo Quartet, Raul de Souza, André Cristóvam e Rio Jazz Big Band & Taryn.

Este ano, o festival conta com uma novidade. Um palco será montado na Praça São Pedro, no centro de Rio das Ostras, para abrir espaço aos novos talentos do jazz e do blues nacional.

Os já tradicionais palcos da Praia da Tartaruga e da Lagoa de Iriry oferecem belos cenários naturais, que se fundem ao jazz e ao blues e criam uma atmosfera perfeita para o espectador. O resultado: um clima familiar e muito animado em prol da boa música.

Show de Jefferson Gonçalves e banda. Foto: Cezar Fernandes

No palco principal, em Costa Azul, o público irá se deparar com uma mega estrutura técnica de som e iluminação, que nos últimos anos vem sido muito elogiada, sobretudo pelos artistas. O público ainda irá contar com diversas opções de alimentação, lojas, sala de exposição, além de uma brigada de incêndio e toda infra-estrutura médica pronta para atuar em caso de alguma emergência.

O festival irá acontecer entre os dias 02 e 06 de junho. Serão cinco dias de shows gratuitos, com apresentações às 11h15 (Praça de São Pedro), 14h15 (Lagoa do Iriry), 17h15 (Tartaruga) e 20h (Costazul).

O Rio das Ostras Jazz & Blues acontece desde 2003. Realizado pela Secretaria de Turismo, Indústria e Comércio da Prefeitura de Rio das Ostras, com produção de Stenio Mattos (Azul Produções), apresentou ao longo de suas cinco edições músicos como Stanley Jordan, Jane Monheit, John Scofield, Mike Stern, Richard Bona, James Carter, T.S. Monk, Robben Ford, Ravi Coltrane, Roy Rogers, Stefon Harris, Dom Salvador, Luciana Souza, Yamandú Costa, Romero Lubambo, Naná Vasconcellos, Sérgio Dias, Hamilton de Holanda, Celso Blues Boy, Léo Gandelman e Egberto Gismonti entre outros importantes artistas nacionais e internacionais. JM

Mais detalhes no site: http://www.riodasostrasjazzeblues.com/

terça-feira, 4 de maio de 2010

First Miles - Miles Davis - 1945/47

In a Silent Way iniciou um grande período criativo pra mim, a partir de 1969. Esse disco abriu em minha cabeça um manancial musical que continuou a jorrar nos quatro anos seguintes. Nesse tempo, acho que devo ter entrado em estúdio perto de umas quinze vezes, e concluí cerca de 10 discos (uns saindo mais cedo que outros mas todos gravados nesse período): In a Silent Way, Bitches Brew, Miles Davis Sextet: At the Fillmore West, Miles Davis: At Fillmore, Miles Davis Septet: At the Isle of Wight, Live-Evil, Miles Davis Septet: At Philharmonic Hall, On the Córner, Big Fun, Get Up With it (Directions e Circles in the Round saíram depois, com gravações feitas neste período.). Mas toda a música era diferente e isso causava muitos problemas a muitos críticos. Os críticos querem sempre classificar todo mundo, nos pôr num certo lugar em sua cabeça pra poder nos entender. Não gostam de muitas mudanças porque isso lhes dá trabalho pra entender o que fazemos. Quando comecei a mudar com essa rapidez muitos críticos passaram a me esnobar porque não entendiam o que eu fazia. Mas eles nunca significaram grande coisa pra mim por isso simplesmente prossegui com o que vinha fazendo, tentando crescer como músico. Entrei numa polêmica com o pessoal dos Prêmios Grammy em 1971 ao dizer que a maioria dos prêmios ia pra brancos que copiavam coisas dos negros, tristes imitações, em vez da verdadeira música. Disse que deviam dar Prêmios Mammy aos artistas negros. Dariam os prêmios aos músicos e eles os rasgariam diante da televisão. Ao vivo. Odiava o modo como eles tratavam os músicos negros dando os Grammy a brancos que tocavam como negros. Essa coisa está gasta e nojenta mas eles ficam putos se a gente fala. Temos de deixá-los tomar o que é nosso, ranger os dentes mas não ficar putos e segurar a barra enquanto eles faturam o dinheiro e a glória. É estranho o modo como muitos brancos pensam. No início do ano fiz uma operação de cálculo biliar e estava me separando de Marguerite Eskridge. Ela não gostava do ritmo de minha vida, nem que eu saísse com outras mulheres. Mais que isso, porém, creio que não gostava de ficar sentada esperando por mim. Me lembro de uma vez quando estávamos num avião na Itália e ela se pôs a chorar. Perguntei o que era e ela disse:
- Você quer que eu seja como um membro de seu conjunto e eu não posso. Não posso pular quando você estala os dedos. Não posso acompanhar você.
Cara, Marguerite era tão linda que quando ia aos lugares na Europa, as pessoas a seguiam. Ela gostava de ir a museus e me lembro que uma vez – talvez tenha sido na Holanda – quando ela entrou no museu, as pessoas se extasiavam por onde quer que ela passasse. Isso a perturbava. Fora modelo mas não curtia de fato esse tipo de coisa. Era uma pessoa especial e sempre terei um lugar pra ela em meu coração. Quando estávamos pra nos separar ela me disse que se precisasse de alguma coisa, ligasse pra ela que ela viria mas não podia aceitar regularmente as outras coisas e aquela gente toda. Da última vez que fizemos sexo ela engravidou de Erin. Quando me disse que estava grávida eu disse que ia ficar com ela mas ela respondeu que não era preciso. Ela teve Erin e simplesmente se retirou de minha vida diária. Eu a via de tempos em tempos mas ela passou a viver sua vida em seus próprios termos. Respeitei isso. Era uma dama realmente espiritual a quem sempre amarei. Mais tarde ela se mudou pra Colorado Springs levando nosso filho consigo. Depois que Marguerite partiu, Jackie Battle e eu quase nos tornamos um casal. Eu ainda saía às vezes com outras mulheres, mas passava a maior parte do tempo com ela. Jackie e eu tivemos um grande relacionamento. Eu a tinha quase no sangue, tão chegados éramos. Nunca me senti assim com nenhuma outra mulher além de Francês. Mas a fiz passar por muita coisa porque sei que era de convivência difícil. Ela vivia tentando me tirar da coca, e eu parava por uns tempos, mas depois tornava a recomeçar. Uma vez quando estávamos num avião pra São Francisco, uma aeromoça se aproximou e me deu uma caixa de fósforos cheia de coca que comecei a cheirar ali mesmo na poltrona. Cara, às vezes era uma loucura tal, depois que eu cheirava coca e engolia 7 ou 8 Tuinals (depressivos), que eu achava que ouvia vozes e me punha a procurar debaixo dos tapetes, nos radiadores, debaixo dos sofás. Jurava que tinha gente dentro de casa. Levava Jackie à loucura com esse comportamento, sobretudo quando ficava sem coca. Procurava a droga no carro, revistava a bolsa dela pois ela sempre a jogava fora toda vez que encontrava como alguma. Uma vez fiquei sem coca e entrávamos num avião pra ir a algum lugar. Eu pensava que Jackie devia ter escondido a coca na bolsa por isso lhe tomei a bolsa e comecei a revistá-la, pra ver se estava ali. Encontrei um pacotinho de sabão em pó branco. Depois de prová-lo, vi que era sabão e fiquei muito constrangido. Em outubro de 1972, bati o carro na West Side Highway. Jackie não estava comigo; estava dormindo em casa onde também eu devia estar. Creio que tínhamos acabado de chegar da estrada naquela noite e todo mundo vinha meio cansado. Eu não queria ir dormir embora tivesse tomado um sonífero. Jackie estava em minha casa e eu queria sair pra algum lugar mas ela só queria dormir. Por isso saí; acho que ia a algum barzinho da madrugada no Harlem. Seja como for, dormi no volante, bati com o carro numa mureta e quebrei os dois tornozelos. Quando ligaram pra Jackie e lhe deram a notícia ela teve um ataque ao chegar ao hospital. Jackie e minha irmã Dorothy que viera de Chicago de avião pra ajudar, fizeram uma faxina em minha casa enquanto eu estava no hospital. Encontraram fotos Polaroid de mulheres fazendo todo tipo de coisa. Eu costumava apenas olhar aquelas mulheres fazendo aquilo. Não as mandava fazer nem nada disso; elas faziam porque achavam que eu gostaria e me davam as fotos. Creio que essas fotos irritaram muito Jackie e Dorothy. Mas eu fiquei irritado, porque elas tinham entrado em minha casa e revistado minhas coisas particulares daquele jeito. Naquela época, eu gostava que a casa ficasse às escuras o tempo todo; acho que porque me sentia sombrio. Creio que esse incidente teve muito a ver como fato de Jackie ter se enchido de mim. Mulheres viviam ligando o tempo todo. E Marguerite morava no apartamento de cima e descia pra cuidar da casa quando Jackie ia pra estrada comigo. Fiquei de cama por quase 3 meses e quando voltei pra casa tive de andar de muletas por algum tempo o que fodeu mais ainda meu quadril. Quando voltei do hospital pra casa, Jackie me fez jurar que ia me afastar das drogas e eu me afastei por um tórrido instante. Depois me veio de novo aquela vontade. Me lembro que um dia ela me pôs no pátio junto ao jardim no fundo da casa. Era um belo dia de outono, nem muito quente nem muito frio. Eu dormia numa cama de hospital, onde podia erguer e baixar as pernas. Jackie trazia uma cama e dormia no jardim junto a mim quando fazia bom tempo. À noite, claro, entrávamos pra dormir. Nesse dia nós descansávamos no jardim e minha irmã Dorothy dormia lá em cima, dentro de casa. De repente senti uma tremenda vontade de cheirar cocaína. Me levantei, amparado nas muletas e liguei pra um amigo que veio me pegar. Eu saí,e quando voltei Jackie e minha irmã estavam histéricas porque calculavam que eu na certa fora comprar droga. As duas ficaram furiosas realmente furiosas. Mas Dorothy, como é minha irmã, ficou comigo; Jackie saiu e voltou pra seu apartamento que nunca largara e tirou o fone do gancho pra não falar comigo. Quando finalmente consegui falar com ela ao telefone e pedi que voltasse ela disse que não. E quando dizia não era não mesmo. Eu sabia que estava acabado e senti pra caralho. Tinha-lhe dado um anel que minha mãe me dera. Mandei Dorothy buscar o anel de minha mãe. Jackie me dizia as coisas certas. Sem ela minha vida nos dois anos seguintes entrou na zona escura. Era coca 24 horas por dia, sem nenhuma folga e eu sofria muitas dores. Comecei a sair com uma mulher chamada SherryPeachesBrewer por algum tempo. Era uma bela mulher também. Viera de Chicago pra Nova York trabalhar no musical da Broadway Hello Dolly, com Pearl Bailey e Cab Calloway. Nós andávamos juntos e ela era uma pessoa muito legal, muito boa atriz. Depois saí com uma modelo chamada Sheila Anderson, outra mulher alta e bela. Mas me recolhia cada vez mais em mim mesmo. Nessa época eu faturava algo em torno de meio milhão de dólares por ano mas ainda gastava muito dinheiro em tudo que fazia. Gastava muito em cocaína. Tudo começara a ficar meio fora de foco depois que sofri o acidente de carro...”

Miles Davis – a Autobiografia - Miles e Quincy Troupe (Editora Campus pp. 273, 285 a 288)

First Miles é o primeiro álbum de Miles Davis na liderança de uma formação de musico como como Charlie "Bird" Parker, Herbie Fields, Leonard Gaskin, Rubberlegs Williams com apenas 18 anos de idade. Ao longo do tempo, se tornará um dos mais valorizados e influente musico entre os varios estilos passado por Miles. São coletâneas de sua fase entre os anos 1945 e 1947, passando por valores históricos bastante notavel na evolução de um dos pilares do jazz. De inicio nota-se o seu talento na improvisação e sua grande capacidade de criar atmosferas rítmicas reservadas apenas para um seleto de poucos. genios do jazz. Boa pedida e degustação sem moderação.

Pointless Mama Blues


Faixas:
01. Milestones (First Take)
02. Milestones (Take 3)
03. Little Willie Leaps (First Take 1)
04. Little Willie Leaps (Master Take 3)
05. Half Nelson (Alternate Take 1)
06. Half Nelson (Master Take 2)
07. Sippin’ at Bells (First Take 1)
08. Sippin’ at Bells (First Take 3)
09. That’s the Stuff You Gotta Watch (Alternate Take 1)
10. That’s the Stuff You Gotta Watch (Alternate Take 2)
11. That’s the Stuff You Gotta Watch (Master Take)
12. Pointless Mama Blues
13. Deep Sea Blues
14. Bring It on Home (First Take 1)
15. Bring It on Home (Alternate Take 2]
16. Bring It on Home (Master Take 3)

Músicos:
Faixas 9 ao 16.
Miles Davis - TrompeteHerbie Fields - Sax Tenor & Clarinete
Henry Rubberlegs Williams - Vocais
Teddy Brannon - Piano
Leonard Gaskin - Baixo Acustico
Ed Nicholson - Bateria

Faixas 1 ao 8:
Miles Davis - Trompete
Charlie Parker Sax Tenor
John Lewis - PianoNelson Boyd - Baixo Acustico
Max Roach - Bateria & Percusão

Boa audição - Namastê.