sexta-feira, 11 de junho de 2010

1958 - Miles In The Clouds - Miles Davis

“Comecei a pensar seriamente em me aposentar da música em 1974. Estava em São Paulo - Brasil, e andara bebendo muita vodka e fumando um pouco de maconha – o que nunca fizera, mas estava me divertindo muito e me disseram que era muito bom. Além disso, tomara um pouco de Percodan e cheirava coca adoidado. Quando voltei ao quarto de hotel, achei que estava tendo um ataque cardíaco. Liguei pra recepção, chamaram um médico e me levaram pra um hospital. Me enfiaram tubos no nariz e intravenosos no corpo. O conjunto ficou assustado; todos acharam que eu ia morrer. Eu pensei comigo mesmo: É isso aí. Mas me livrei dessa. Jim Rose, meu gerente de excursões, disse a todos que eu provavelmente só tinha palpitações, por causa de todas aquelas drogas, e que estaria bom no dia seguinte, e estava mesmo. Tiveram de cancelar o espetáculo naquela noite e reprogramá-lo pra noite seguinte. Toquei e entusiasmei todo mundo, de tão bom que estava. O pessoal não acreditava. Num dia eu parecia à beira da morte e no dia seguinte tocava pra caralho. Acho que me olhavam como eu olhava Bird em pasmo total. Mas é assim que nascem as lendas. E eu curti adoidado as belas mulheres do Brasil. Elas caíam em cima de mim e descobri que eram sensacionais na cama. Amavam amar. Depois que retornamos do Brasil, iniciamos uma excursão pelos Estados Unidos, tocando com o grupo de Herbie Hancock. Herbie tinha um disco de grande sucesso e era realmente querido pela garotada negra. Concordamos em abrir o espetáculo pra eles. No fundo isso me deixou puto. Quando tocamos na Universidade de Hofstra, em Long Island, Nova York, Herbie - que é uma das pessoas mais legais do mundo e que eu amo – passou no camarim pra me dar um alô. Eu lhe disse que ele não pertencia ao conjunto e que o camarim era interditado a quem não fosse do conjunto. Pensando nisso depois, compreendi que era só raiva por ter de abrir o espetáculo pra um ex-acompanhante meu. Mas Herbie compreendeu e limpamos a barra depois. Eu percorria o país com Herbie e estávamos arrasando. As platéias em sua maioria eram jovens e negras o que era bom. Era o que eu queria, finalmente chegava lá. Meu conjunto se tornava realmente quente a essa altura. Mas meu quadril estava uma merda e a música amplificada também já começava a me encher. Estava ficando cheio de tudo e ainda por cima me achava fisicamente doente também. Tocamos em Nova York e em muitas outras cidades. Depois fui a St. Louis fazer um concerto e Irene, mãe de meus filhos apareceu na festa depois. Começou a me humilhar na frente de minha família, amigos e músicos. Me vieram lágrimas aos olhos. Me lembro da expressão no rosto de todos, como se esperassem que eu desse uma porrada nela. Mas eu não podia fazer isso porque sabia o motivo da dor dela, sabia que nossos dois filhos eram uns fracassos e ela me culpava por isso. Embora fosse embaraçoso pra mim ouvir aquilo assim eu também sabia que algumas das coisas que ela dizia eram verdade. Eu chorava porque sabia que tinha de aceitar grande parte da culpa. Foi uma experiência muito dolorosa. Logo depois de me encontrar com Irene em St. Louis, desmaiei e me levaram correndo pro Homer G. Phillips Hospital. Tinha uma feia úlcera perfurada e um amigo meu, o Dr. Weathers apareceu e me tratou. Eram todas aquelas bebidas, pílulas, drogas e tudo mais. Eu vinha escarrando muito sangue, mas não ligava pra isso até chegar a St. Louis. Vivera entrando e saindo tanto de hospitais que já quase se tornara rotina. Acabara de extrair nódulos da laringe. Agora ali estava de novo no hospital. Devíamos tocar em Chicago no dia seguinte e tivemos de cancelar. Quando acabei as apresentações com Herbie e voltei a Nova York, no verão de 1975, pensava seriamente em parar. Toquei em Newport em 1975, e depois no Schaefer Music Festival no Central Park. Depois me senti tão mal que cancelei um concerto que devia fazer em Miami. Quando fiz o cancelamento os músicos com seus equipamentos já estavam lá e os empresários retiveram o equipamento de som e tentaram nos processar. Depois disso decidi parar. Nessa época, o conjunto era Al Foster na bateria, Pete Cosey na guitarra, Reggie Lucas na guitarra, Michael Henderson no baixo, Sam Morrison (que acabava de substituir Sonny Fortune) no saxofone e Mtume na percussão. Eu dobrava nos teclados. Parei sobretudo por motivo de saúde mas também porque estava espiritualmente cansado de toda aquela merda pela qual passara todos aqueles longos anos. Me sentia artisticamente esgotado, cansado. Não tinha nada a dizer em termos musicais. Sabia que precisava de um descanso e o tirei, o primeiro desde que começara a tocar como músico profissional. Achei que quando estivesse um pouco melhor no físico na certa começaria a me sentir melhor espiritualmente também. Estava cheio e cansado de entrar e sair de hospitais e de andar cambaleando por aí, subindo e descendo de palcos. Começava a ver piedade nos olhos das pessoas, quando olhavam pra mim e não via isso desde que era viciado. Não queria isso. Larguei a coisa que mais amava na vida – a música – até conseguir me refazer de novo. Pensei em me retirar por uns 6 meses, talvez, mas quanto mais ficava fora menos sabia se ia voltar mesmo. E quanto mais ficava fora, mais afundava em outro mundo escuro quase tão escuro quanto aquele do qual me arrancara quando era viciado. Mais uma vez foi uma longa e dolorosa estrada de volta à sanidade e á luz. No fim, foram necessários quase 6 anos e mesmo então eu ainda tinha dúvidas sobre se podia voltar completamente.” ______________________________________________________
Fonte: Miles Davis - a Autobiografia . Miles & Quincy Troupe - Editora Campus (Pps 289 a 291).


Faixas:
01 - Move
02 - My Man's Gone Now
03 - Springville
04 - Here Come De Honey Man
05 - The Jitterbug Waltz
06 - It Ain't Necessarily So
07 - Miles Ahead
08 - My Ship
09 - New Rhumba
10 - Gone,gone,gone
11 - Gone
12 - Blues for Pablo
13 - Wild Man Blues
14 - The Duke
15 - I Don't Wanna Be Kissed (by Anyone But You)
16 - Bess, You is My Woman Now
17 - There's A Boat That's Leaving Soon for New York
18 - Poem for Brass
19 - Godchild


Músicos:















































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Boa audição - Namastê.

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