sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ella e Um mergulho no Passado Nostálgico de Uma Diva Nos Anos da Gravadora DECCA – 1917-1935 - Parte I


"Quando rolava o ano de 1935 - Ella Jane Fitzgerald já estava na estrada rumo à imortalidade musical. Fruto de um lar desfeito, de pais pobres, ela nasceu em Newport News, estado da Virgínia, supostamente no dia 25 de abril de 1918. No entanto, de acordo com a certidão de nascimento e com os documentos escolares. Na verdade ela nasceu um ano antes. Esta data se tornou um ponto importante na sua vida, especialmente quando faram comemorados com muito barulho seus aniversários de 14 e 17 anos. Ella tornou-se um ano mais jovem para manter sua imagem de garotinha da banda de Chick Webb, mais tarde, a mudança de data ajudou-a “diminuir” a diferença de idade entre ela e seu futuro marido, mais novo que ela, Ray Brown. Como Ella nunca se deu ao trabalho de substituir a data de seu nascimento, ainda mais que isso não fazia diferença para ninguém. Seu pai Willian e sua mãe Tempe (abreviatura de Temperance, um nome bastante improvável) não se casaram legalmente. Viveram na Madsom Avenue, nº 2050, sendo William nove anos mais velho do que a independente Tempe. Depois da primeira grande guerra, o casal se separou, e Tempe mudou com a família para Nova York. Mãe e filha se mudaram com o amante português, Joseph Da Silva, geralmente tido como o padrasto de Ella, tentativa, tentativa dos assessores de imprensa de “limpar” sua infância. Joseph indubitavelmente exerceu uma rica influência na percepção cultural e musical de Ella, que iria se referir a este lado se seu relacionamento com grande carinho pelo resto de sua vida. No entanto, o que resolveu não lembrar foram os abusos a que submetida na adolescência. A nova família Da Silva vivia numa área eticamente mista de italianos, espanhóis e afro-americanos na Clinton Street, nº 27. Foi nesta vizinhança que Ella cresceu e se tornou uma jovem mulher. Em 1923, seus pais lhe presentearam com uma irmã, Frances. Dois anos depois se mudaram para a School Street, nº 72. “Crescemos numa vizinhança mista”, evocaria, certa vez, “a maioria dos meus amigos era italianos. A primeira vez que entrei em contato com o preconceito racial foi quando um garoto que vinha de outra escola me chamou denegra”. Bem, eu o empurrei, ele caiu e os outros garotos acharam que eu tinha batido nele e foi assim que me tornei uma heroína na escola. O garoto foi obrigado a pedir desculpas e depois disso todo mundo olhava pra mim como se eu fosse realmente má. Eu tinha uns onze anos”. Na verdade esta briga provavelmente aconteceu com uma garota chamada Josephine Attanasio. E se Ella tirou sangue do nariz dela, a briga foi por Ella ter implicado com a irmã menor de Josephine e não por razões raciais. Enquanto Tempe trabalhava para um comerciante e numa lavanderia, o dinheiro adicional vinha de Joseph como lavador de pratos e motorista. Ella precisava colaborar com o cofre da família. Para ganhar dinheiro próprio, Ella trabalhava com numbers (trabalho de rua como pagar cotas e outros). Ella também cuidava de uma casa de esporte. “Há sim, Eu tive uma vida muito interessante na juventude”. Recordando seu padrasto, Ella diria, rindo mais tarde, “Se eu tivesse a mínima idéia de que um dia iria gravar uma música em português, eu teria prestado mais atenção quando ele tentava me ensinar a língua”. Com uma dificuldade de falar intimidades publicamente – característica sua – Ella nunca se referiu ao fato de ter crescido numa vizinhança multirracial em Yonkers e especialmente o que isso significava no final dos anos 20 e começo dos anos 30. Muitas áreas urbanas eram divididas por raças, religião, renda ou origem nacional, como ainda acontece nos supostos tempos iluminados de hoje. As pessoas raramente visitavam outras vizinhanças a menos que de passagem. Muitos viviam toda a vida sem mesmo atravessar os limites de sua área. A única coisa em comum era a depressão econômica; europeus, africanos, cristãos ou judeus, todos foram atingidos. Hoje Ter pais de etnias diferentes, se não chaga a ser totalmente aceito é com certeza rotineira. Nos dias sombrios do inicio dos anos 30, ter uma mãe afro-americana e um padrasto português, um homem com quem sua mãe nem casada era, deixava a sensível adolescente afundada na menor das subculturas ou menos do que isso. Pode-se imaginar uma infância em que para ser aceito e poder sobreviver, era necessário conviver com jogadores e prostitutas, e era óbvio que Ella quase nunca conseguia se integrar no meio. Sua falta de aceitação consciente levou-a ser dolorosamente magra (“tiveram de me dar leite na escola para recuperar meu peso”) e tímida. No entanto, não devemos confundir sua timidez com falta de perspicácia. Ella sempre se apresentava como sem saber exatamente o que estava acontecendo a sua volta e como extrair melhor proveito daquilo tudo. Como muitos jovem descendente de europeus e africanos, Ella foi cativada pela cultura dos anos 30. Antes disso a musica popular vinha da Broadway, do teatro de Vaudeville ou daquela nova invenção – o rádio sem fio. As pessoas se reuniam em volta de um piano para cantar a partitura da musica do dia, ou tocavam no fonógrafo primitivo os discos disponíveis. Os adultos controlavam o que era considerado apropriado e os jovens tinham de esperar crescer para conhecer as musicas. De repente surge um nova musica que pegava os jovens pelos ouvidos e pela primeira vez na historia os adolescentes tinham sua voz musical própria: o som das grandes bands de jazz. A nova musica era uma conseqüência do Ragtime, do Dixieland e do jazz pioneiro da era do Charleston. A Meca deste novo tipo de diversão era o Teatro Apollo no Harlem. Peregrinos do Apollo trazem flashes de legendas como Chick Webb, Fletcher Henderson, Billie Holiday, Benny Carter e muitos outros. Ella e suas amigas pegavam o trem ate o Harlem e passavam boa parte das horas no Apollo fazendo contato com novos talentos. Seu ídolo era o Snakehips Tucker e Ella brincou com a idéia de passar a se chamar “SnakehipsFrizgerald. Ella, mutável como os adolescentes, fantasiava que iria ser dançarina e pensou seriamente em seguir a carreira base do sapateado. “Todo mundo em Yonkers achava que eu era boa dançarina” - disse ela certa vez. “Eu realmente queria ser dançarina e não uma cantora”. Esta era uma pretensão incomum entre os jovens negros da época, mesmo entre os de boa família e religiosos como o seu caso. As oportunidades eram poucas para os jovens negros. Muitos afro-americanos tinham sua sobrevivência no show business. Tocavam em teatros de Vaudeville no circuito “Chitlin”, dançavam em espetáculos de negros, em bares clandestinos e se tivesse sorte, deslocavam um papel pequeno num show da Broadway, numa revista musical em programas de rádio ou filme. Por mais duro que fosse este tipo de vida, era sempre preferível a trabalhar numa lavoura, lavanderia, engraxate ou fazendo faxina nos banheiros dos brancos. Ella tinha mais sorte do que a maioria, pois vivera sua adolescência num lar razoavelmente estável. No entanto estes performers de fato trouxeram à tona o talento que havia nela, que constantemente falava em dançar. Para os adolescentes do inicio dos anos 30 as grandes orquestras de jazz eram a dança. Em uma entrevista de 1991, o seu amigo de infância Charles Gulliver recordava: “De fato ela não cantava muito, mas adorava dançar; Era uma dançarina e tanto! Costumávamos ir até o Savoy. Aprendíamos todas as danças da moda. Pegávamos o trole até a estação de metro para Manhattan e descíamos na Rua 125”. Ella e Gulliver ensaiavam bastante e queriam tentar a sorte como dançarinos profissionais. O par começou a ensaiar em Yonkers. Mas é neste ponto que os detalhes da vida adolescente de Ella torna-se pouco claros. Muito do que foi publicado ao longo dos anos situa Ella em Yonkers até sua aparição como artista. No entanto a verdade sobre a sua vida antes de se tornar famosa não é tão simples assim. Por outro lado, reservou-se que pouco depois de Ella ter estreado no Apollo, sua mãe Tempe morria ao tentar salvar a vida de uma criança. Eis como a própria Ella recordava o episódio nos anos 80: “Havia um garotinho italiano que simplesmente adorava minha mãe. A mãe dele não conseguia fazer com que comece e ela então chamava minha mãe e dizia: ‘Por favor, venha até aqui em casa e faça com que ele coma’. E ele sempre disposto a ir para qualquer lugar que minha mãe fosse. Um dia eles estavam num automóvel. Ela segurava o garotinho. Meu primo que guiava o carro, provocou uma parada brusca. Para impedir que o garotinho batesse com a cabeça no vidro da frente, minha mãe apertou-o com força e ai foi ela que bateu com a cabeça. Levou cinqüenta e quatro pontos. Não havia os recursos que existem hoje e os cortes não cicatrizaram”. A intenção de Ella de fazer sucesso em Yonkers terminou com a morte se sua mãe. Joe Da Silva passou a beber cada vez mais e com insistência procurava a jovem Ella para consolar. Ele simplesmente canalizava sua raiva na jovem ou começou a vê-la como objeto sexual – bem se sabe que logo Ella saiu de casa pelas mãos da tia Virginia. Em seguida, Frances juntou se a elas na casa da Rua 145, no Harlem, onde Joe morreu de ataque cardíaco. Embora Ella se aproximasse da sua prima Georgina (em anos posteriores, companhia de viagens e encarregada do seu guarda-roupa), ela não se adaptou à casa de sua tia. Visitava Yonkers sempre que possível para rever os companheiros, mas com o tempo as visitas foram se espaçando. Detestando a nova vida, tornou-se cada vez mais infeliz e seu comportamento, irascível e hostil. Ela começou a largar a escola e foi mandada para a Associação Infantil de Riverdale, uma instituição não tão liberal quanto uma escola secundaria nem tão restritiva quanto um reformatório. Pouco depois abandonava a escola e a casa da tia para viver na rua. A vida de Ella nas ruas obstruiu em muito sua capacidade de ir para onde quisesse ou fazer qualquer coisa para melhorar seu destino. Ela vivia da mão para a boca, quase sempre sem tomar banho, faminta e sem endereço certo. Embora alguns dos entrevistados para esse livro sugerisse que Ella tenha trocado seu corpo por um bom lugar para dormir, não existe evidência substancial de que tenha se prostituído. Por estranha que parece é possível à pessoas se ligarem a certos valores morais ao mesmo tempo que ignoram outros. Tempo ao que parece, imprimiu a marca da religião em Ella. Havia certas coisas que Ella fazia porque tinha que fazer; havia certas coisas que ela fazia por que queria; havia certas coisas que ela nunca fazia porque não conseguia...".
Fonte: Ella Frizgerald: A Primeira Dama do Jazz - Geoffrey Mark Fidelman, Francisco Alves - 2001.
Boa Leitura - Namastê.


(I Love You) For Sentimental Reasons
Ella Fitzgerald With The Delta Rhythm Boys - 1946

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